sábado, 27 de outubro de 2012

Love Story




Essa é uma história de amor. Por favor, tentem se lembrar disso enquanto lêem. Amor. É tudo sobre Julie.
Soube do momento em que pus meus olhos nela que faria qualquer coisa para tê-la. Felizmente, não tive de trabalhar tão duro. Podia ver em seus olhos na primeira vez que nos falamos e chamei-a para sair. Ela também me queria e disse sim antes mesmo de eu terminar de falar. Os olhos dela brilhavam como diamantes. É uma das coisas que eu mais gosto nela.

Nos apressamos em dizer "Eu te amo", logo após só alguns encontros, mas nós sabíamos.

Minha casa estava sempre cheia dos meus amigos idiotas e então começamos a falar sobre arrumar um lugar para nós sozinhos. Meu melhor amigo, Greg, não ia muito com o a cara dela nem com o fato de estarmos nos mudando, mas ele entendia. De qualquer modo, sempre saíamos todos juntos para ver filmes, jogar boliche, coisas normais desse tipo.

Bem, recebi uma ligação dos pais da Julie umas noites atrás. Eles me disseram que receberam uma ligação da Polícia dizendo que ela estava havia sido atingida por um bêbado que atravessou a faixa de pedestres, e agora se encontrava no hospital. De qualquer modo, corri desesperadamente ao hospital e no meio do caminho Julie me ligou, para me desesperar mais ainda, mas quando atendi e ela me disse que estava tudo bem, haviam sido só umas escoriações e cortes, relaxei e me acalmei um pouco. Não me importo em admitir que ainda assim havia chorado um pouco de preocupação. Ela me contou que também já estava recebendo alta e assinando uns papéis, e logo poderia ir buscá-la.
Ao chegar no hospital já havia me recomposto e voltado ao meu normal. Mal pude entrar e me aproximar do balcão de informações quando a ouvi chamar meu nome. Me virei e vi ela. O brilho dos seus olhos não estava lá (não era de se surpreender, pelo que havia acontecido), mas ainda assim era ruim. Eu totalmente perdi a postura que achei havia ter retomado. Quebrei totalmente e abracei ela forte enquanto ela deslizava a mão para minha nuca, como ela fazia quando  eu estava bravo, e após um ou dois minutos nós fomos para meu carro.
Julie me contou que o motorista bêbado havia morrido e eu pensei "bem, melhor ele do que ela", e não me arrependi do pensamento; eu mesmo teria matado ele se tivesse sido me dada a oportunidade. Ela me disse que estava bem e no fim das contas, era só o que me importava.

Voltamos para minha casa e as luzes estavam apagadas, o que era estranho, uma vez que meus colegas de quarto sempre esqueciam de apagar quando saiam.

Julie estava se sentindo um pouco fria e parecia tão pálida que só nos deitamos e dormimos de conchinha até ela melhorar. Foi um longo dia, afinal. Lembro de ouvir uma última coisa antes de dormirmos totalmente: "Eu vou te amar pra sempre, meu bem."

Liguei para o trabalho no dia seguinte e disse que ficaria em casa com Julie, ela estava se sentindo bem fraca ainda, novamente não surpreendente. Havia umas chamadas perdidas de meus amigos e família, sem dúvida haviam sabido do ocorrido e queriam dar suporte, mas retornaria as ligações depois.

Talvez só o acidente, ou o fato de não a ver muito sem maquiagem... mas ela não parecia muito bem. Digo, a cor dos olhos dela estava se esvaindo e ela se parecia cada vez mais vazia, e o brilho não voltava. Sugeri que voltássemos ao hospital mas ela disse não, que estava bem, somente cansada e sonolenta.
Bem, dias se passaram e liguei avisando que ficaria em casa até ela melhorar. Mas ela não melhorava. Os olhos só pioravam e ela só se parecia mais e mais vazia. A pele dele começou a esfriar e estava chegando a um ponto em que eu a levaria para o hospital, ela querendo ou não. Foi ai que recebi uma ligação de sua mãe. Estava chorando e soluçando, e fazendo esforço pra se manter composta.

Os serviços de Julie seriam conduzidos após amanhã, ela me disse. Perguntei sobre o que ela estava falando. Que serviços? Para que? Estava confuso.

Julie veio até mim e ficou lá enquanto eu segurava o telefone. Ela olhava bem em meus olhos enquanto sua mãe me dizia: "Eu sei que é difícil para você e para todos nós, mas Julie se foi e não podemos a trazer de volta, todos nós a amávamos mas ela se foi..."

Ainda não entendia quando olhei para o rosto de horror de Julie. Ela sabia. Esse tempo todo ela sabia. Ela não havia sobrevivido ao acidente, mas de algum jeito ela estava ali e eu entendi. Os olhos dela, vazios e fundos, o brilho sumido, sua pele descolorida... Ela estava morta e eu estava observando ela decair aos poucos! Meu estômago se revirou e quase desmaiei. Julie me segurei, e senti suas frias mãos na minha nuca, fria como a morte. Ouvi a voz fina de sua mãe. Sem saber o que fazer ao certo, segurei o telefone e ela me disse que o corpo de Julie seria queimado no dia seguinte, logo ao clarear do dia. Desnorteado, eu disse ok, e avisei que iria ao funeral e a veria lá.

Desliguei o telefone e Julie e eu ficamos nos olhando por um longo tempo. Não havia mais dúvidas. Eu estava olhando para alguém que não estava vivo. Eventualmente eu falei : Como?

Ela disse que não sabia e não se importava. E quer saber? Eu também não.
Ela foi comigo para o funeral, e não foi como nos filmes, onde as pessoas atravessam ela ou algo assim. Não podiam vê-la, mas também não esbarravam nela. E quando abriam espaço para mim, abriam para ela também. Fui até seu corpo e ela ficou ao meu lado, triste, porém forte, por mim. A mão dela, fria, tão fria agora, na minha nuca. No caixão ela parecia saudável, desfarçada pela maquiagem. Foi muito difícil, mas ela estava ali do meu lado, soube me ajudar e entender que tudo que eu sempre amei foi ela e por isso me sentia tão destruído.

Voltamos para minha casa. Meus colegas de quarto estavam em casa mas ficaram fora do nosso caminho conforme eu fui para meu quarto. Naquela noite não dormimos. Só seguramos um ao outro e não me importei o quão fria ela estava. Choramos, conversamos, rimos das memórias engraçadas e choramos mais. Não falamos sobre o que estava acontecendo ou o que aconteceria.
O dia foi amanhecendo e a luz preenchendo o dia, e então o pensamento mais obscuro me ocorreu. Eu estava vendo ela como ela estava naquele momento, em decomposição. E ao meio dia desse novo dia que acabara de nascer, ela seria cremada. Entende meu sofrimento? Ela seria queimada até o nada na minha frente, e eu só poderia ver, sem fazer nada contra.
Liguei para seus pais, para a igreja, para a funerária, para quem pude para tentar evitar que a queimassem, mas ela me segurou, bem naquele lugar na nuca e me disse que estava tudo bem, tudo bem, me olhou nos olhos e agora ela começava a ficar grotesca de verdade, afundada... morta. Ela disse que me amaria para sempre e naquele momento eu soube exatamente o que faria.

Nas últimas horas o sol subiu alto e um lindo dia havia se formado. Nós assistimos as nuvens se tornarem formas engraçadas, e ao aproximar da tarde eu inventei uma desculpa para ficarmos no meu closet e lá esperamos. Quando o chegou o meio dia, eu vi seu olhar. Soube antes de começar. Ela me disse que não estava doendo. Fumaça começou a sair de seus olhos e seu cabelo pegou fogo. Uma calma fria se abateu sobre ela e calmamente a segurei em meus braços. As chamas começaram a me queimar também. Ela tentou me empurrar, mas não tinha mais forças. Sentia as chamas me queimar e não gritei. Não gritamos, não reclamamos, não falamos nada. Pude ver seu rosto se tornar uma massa preta disforme e o pressionei contra meu peito. Apertei ela e disse que a amava mais do que tudo e para sempre e a veria logo. Segurei-a até que virasse cinzas em meus braços e caísse pelos meus dedos.

Abri os olhos e não a vi mais ali. Nenhum traço dela. Nem cinzas, nem roupas, nada. Nada no closet havia queimado e minhas queimaduras haviam sumido.
Havia sido tudo isso só tristeza? Eu imaginei tudo? Ela esteve realmente ali esse tempo todo? Não sei. Escrevi isso para que minha família e amigos entendam o que eu tive de fazer. Não ficaria aqui sem ela. Não posso. Vou encontrá-la de novo e lá estará ela, acompanhada de seu brilho nos olhos e tudo estará bem de novo. Tudo bem

Chega o teste


 A muito se foram os dias de luta com mapas para se encontrar alguma placa ou alguma estrada perdida, e ficar engolindo seu próprio orgulho para não pedir informação. Hoje em dia, com a tecnologia moderna, você pode se confiar no seu GPS para guiá-lo onde quer chegar.

Confia nas direções que ele te dá para atravessar território desconhecido, chegar ao seu destino final e voltar para casa seguramente. Te diz para ir para a esquerda, você vai, para direita, você vai. Manda você sair da auto estrada, você sai. A ameaça de pegar o caminho errado e prolongar sua viagem previne você de desafiar o dispositivo, independente do que sua intuição lhe diz.


 Mas você o questiona as vezes.

Como por exemplo, agora. Seu destino é irrelevante, tal como quem você vai encontrar lá ou porque está indo lá. O que importa é que, sem GPS, você não faria idéia de onde está. Está dirigindo a algumas horas agora, mas só cobriu uma fração da distância total.
O sol começa a descer, e você observa a paisagem passar sem perceber muito o que é. Você não sabe muito sobre o lugar para onde está indo, mas certamente não é nenhum subúrbio. A população aos arredores parece diminuir mais e mais conforme você avança. Vire a direita. Dirija direto por dois quilômetros. Vire a direita. Sua desatenção vira desespero quando a cidade quase rural em que você se encontrava de repente se tornou uma densa floresta.

Noite caiu. Você sabe que não chegará até seu destino até as primeiras horas da manhã, mas isso não lhe perturba. Você esperava uma auto estrada sem fim, com postes e luzes por quilômetros. Totalmente o oposto disso. Até a gentil luz do luar que causava um brilho fraco nas cidades que você atravessara, agora havia sido totalmente censurada pelas folhas da densa mata acima de você.
A escuridão está tingindo níveis perigosos e até ameaçadores, conforme você avança no caminho dessa estrada sem iluminação ou sinalização. As janelas estão fechadas e o calor está terrível. Mas algum medo fraco impede seus braços de abrirem as janelas, e até a confortável ritmia das canções pop do rádio despertam algo assustador que bate no fundo do seu estômago.
Apenas siga reto por 6 quilômetros, seu GPS diz. Então estará entrando em uma auto estrada para o leste. Então tudo estaria bem. Certo?

A julgar pelos seus punhos brancos e gelados de medo em cima do freio de mão, você não está muito convencido disso. Está considerando voltar. Fortemente considerando voltar. Mas isso requereria parar, e parar significaria ficar a mercê dos milhares de olhos que você sente virem dos arbustos lhe penetrando como adagas. Suas luzes do para-choque cortam a escuridão encobrindo a estrada a frente, mas deixa todo o resto envolto em uma escuridão impenetrável. Até os o farol alto ligado, a visibilidade não melhora muito. Com 2 quilômetros faltando, você enfia seu carro em cada e qualquer buraco que se pareça com um retorno. Sua necessidade de sair dali parece ser muito maior que seu medo de bater.

Então seu GPS morre.

 A escuridão repentina é desnorteante. Seus olhos voam ao aparelho, esperando que o sinal volte, ou que ele se ligue sozinho de novo (quem teria desligado?) ou que peça para ser plugado de novo (quem teria desplugado?) ou -

Você joga seus olhos do GPS para capturar a visão de um cabelo loiro e uma expressão meio de menino à sua frente, estasiado de surpresa, olhos azuis claros. Só um segundo. Então seu assento, seu carro, seu mundo, é sacudido por uma batida surda. Pisa no freio em resposta automática, os pneus cantam para parar.


É aqui que fica perigoso.



É aqui que você tem uma escolha.

 Por um lado, você poderia decidir não fazer o que todo o filme de terror lhe ensinou esse tempo todo, engolir seus medos na escuridão em qual você se encontra perdido, ignorar a voz na sua cabeça que diz para você ir embora dali o mais rápido possível e abrir a porta do seu carro. Pelo outro lado, você poderia aceitar a opção oferecida nesse momento crucial. Poderia ouvir a voz na sua cabeça, colocar o medo de estar arriscando sua vida acima de tudo, se lembrar de todas as vezes que você gritou com a televisão falando para ficar dentro do maldito carro e se conter, ficando lá dentro.

Você junta toda sua coragem e faz a primeira opção.

 Ao pisar para fora do seu carro, você é agraciado com uma calma sem explicação. Cada passo para longe do seu banco é um nó de medo no seu estômago sendo desatado. Quando finalmente olha para trás do seu carro, a visão de uma calma noite o tranquiliza e você se sente até confortável ali, naquela noite de meio de outono.

Quando você se depara com a estrada vazia na sua frente, você ri para si mesmo. Deve ter sido um buraco na estrada, e sua mente, já paranóica, conjurou um menino imaginário ali para justificara aquilo. Afinal, o que um menino estaria fazendo naquela profundidade da floresta, sozinho, naquela hora?
Você se surpreende como foi ingênuo em imaginar essas coisas, e suspira em alívio final ao seu GPS voltar a funcionar e mostrar a direção. Volta ao seu lugar e agora a escuridão da estrada é até confortável, e não ameaçadora como antes. Agora só haviam os sons da floresta noturna, da vida dos animais.

Encontra seu caminho para fora da floresta e para a auto estrada sem problemas. Você se move por um lugar não conhecido, mas cobre a distância muito mais rápido do que você esperava. Você chega no seu destino antes de do que qualquer um, incluindo você mesmo, achasse possível.


Quando tenta voltar para casa, seu GPS mostra um caminho totalmente diferente, que leva mais horas, mas que segue insistindo que é mais rápido. Mesmo consultando um mapa, você não entende como chegou lá tão rápido.
O evento foi um tanto misterioso, mas não valia a pena gastar as energias pensando nele.






Mas e se você fizer a segunda opção?





Você se prepara para descobrir isso quando, ao invés de sair do carro, você corre para longe da cena dentro do seu carro com seu peito em ritmo desenfreado porque, pelo amor de Deus, o que acabou de acontecer?
 Quando você olha para seu retrovisor e vê um par de claros olhos azuis olhando para você, começa a perceber que talvez tenha cometido um erro terrível. Ou simplesmente esse foi realmente o certo, ir embora sem pensar duas vezes porque não quer pensar muito no que foi aquilo. Sua respiração começa a ficar entrecortada e você começa a hiper-ventilar. O rádio fica mudo, de uma canção de amor confortável para o ensurdecedor silêncio. Lágrimas brincam na ponta dos seus olhos quando seu GPS volta a funcionar. Você suspira em alívio, agradecendo toda e qualquer divindade que você pode se lembrar - A meu Deus.
"Vire-se a esquerda para o seu destino em um quilômetro e meio."
A fina e falha voz do seu GPS acaba com suas esperanças de que isso tudo havia terminado. Você agarra o aparelho esperando ler algo para confirmar que ouviu errado, mas, bem, não. Claramente escrito na tela o que foi ouvido. Seu estômago desaba em náuseas de medo.

Você quer fazer o retorno, você realmente quer. Mas ai você teria de passar por cima de "seja lá o que fosse" de novo. Você busca nas muralhas de árvore por uma abertura grande o suficiente para o seu carro, mas é tudo muito denso. Mesmo que você avançasse mais para a beirada da floresta, ela continuaria muito densa. Sua única opção é seguir reto, e você odeia isso.

"Vire-se para a esquerda para o seu destino em um quilômetro."

Lágrimas correm pelo seu rosto quando você escuta seu rádio voltar a vida. Agora ele transmite milhares de vozes, mas a mais audível é a de um menino que chora. Mas ele ri também. É meio falha, entre-cortada e gaguejante, mas está lá, firme, de algum jeito. E se intensifica e se afirma conforme você avança.

"Vire-se para a esquerda para o seu destino em meio quilômetro."

Você começa a vê-lo. Toda a vez que seus olhos escorregam da estrada pára os arbustos ou para as árvores, lá está ele, olhando diretamente para você com os olhos azuis claros de dardo. O menino que você atingiu.

A primeira vez que você viu ele, ele só olhou direto em seus olhos, normal, sem expressão. Você parou de respirar, prendeu a respiração, e se esqueceu de como tomar ela de volta. Cada vez que você o via, ele estava a um passo mais próximo da estrada. Seu rosto se contorcendo em um levíssimo sorriso maníaco. Você sente bile subir pela sua garganta, forçando seus pulmões soltarem o ar, engasgando e tossindo você exala o ar. A risada nos auto-falantes do seu carro está te deixando surdo. Ele está na pista agora. Está lá, parado. Chegando mais ao meio a cada segundo. Você ainda não precisa virar para evitá-lo ainda, mas sabe que isso não vai levar tempo a acontecer.

"Vire-se para a esquerda para chegar ao seu destino."

Suas lanternas se apagam. Você quase se sente aliviado. Não precisa mais ver os olhos dele. Mais uma vez, em puro reflexo, você pisa nos freios, só para perceber que não estão funcionando. Quando o medidor de velocidade se comprime ao ponto máximo, você começa a rir. É o fim, certo? Levou um bocado para chegar até ali.

Mas você se lembra que não quer morrer. Cara soluço vem com lágrimas e agonia. Conforme a fraca luz de dentro do seu carro ilumina muito pouco o caminho à sua frente, você vê uma árvore em seu caminho, que, em um rápido momento, você transforma seu medo em audácia. Vira seu volante para a esquerda com todo o vigor deixando ele em um ângulo diagonal. O impacto é inevitável, mas quando você ouve a terrível batida, seu reflexo te joga para o banco do passageiro, salvando sua cabeça, mas rasgando seu abdômen.

Seu mundo se torna dor a agonia conforme o metal se retorcia. O cinto de segurança está queimando seu peito e a sacudida da batida deixa sua cabeça girando. Um gosto metálico começa a encher sua boca e tudo dói. Mas quando seu carro para de vez, você está vivo ainda. Você venceu. Está vivo. Ri. Ri, ri e ri mais até seus pulmões doerem (o que, no momento, é de se esperar).

Se esforça para voltar a respirar, mas ele agarra sua garganta. Seu coração para. Pânico cresce nas suas entranhas. Você escuta a risada no rádio. O suspiro parou, agora o menino está mais quieto do que nunca, mas ainda assim, ali.

Você se torna uma massa gélida de desespero quando percebe que o som não vem do rádio.

Ele está ali, com você, no carro agora. Seus olhos voam para o retrovisor e você mergulha em seus fundos olhos azuis. Perfuram você. Só se pode ver dor e loucura neles. Apesar do sorriso contornando suas feições, suas bochechas estão cheias de lágrimas.

Você sente seus dedos ossudos em seu rosto. Quando eles chegam a seus olhos e aperta eles, afundando-os, seu corpo se compadece de sua situação e finalmente um desmaio lhe acomete antes de sentir a dor.



Demoraram seis horas para encontrarem seu corpo. Estará exatamente onde você o deixou, rasgado entre as ferragens do seu carro, descoberto nas primeiras horas da manhã por um caçador. A estrada em que você foi encontrado era a centenas de quilômetros de distância de qualquer lugar onde você tivesse qualquer coisa para fazer.

Seus ferimentos são tão curiosos quanto o porque de você estar ali. Algumas são costelas quebradas, algumas hemorragias internas sub-sequenciadas, e hemorragia cerebral. Seus olhos, entretanto, não estão no lugar. Inexplicavelmente arrancados da sua cabeça, não são encontrados em lugar nenhum. Sob inspeção, nenhum de seus ferimentos causaria sua morte, apesar de graves. Seu coração simplesmente parou de bater.

Sua morte é um mistério para a polícia. Tratam como um possível homicídio, mas eventualmente o jogam na gaveta de arquivo morto. No registro foi dado nota de algo estranho. Do momento em que você foi encontrado até o chefe da investigação gritar mandando alguém desligar a maldita coisa, seu GPS estava ligado, repetindo a mesma frase de novo e de novo.

"Você chegou ao seu destino."

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Trens



Se você esperar em qualquer estação de trem, em qualquer data específica (tendo sido esses dois marcados por você mesmo com 1 mês de antecedência), após algumas horas de espera aparecerá um trem que não estará dentro do horário, sem nenhum ponto final ou estação demarcada. O exterior será igual aos trens que você vê na determinada estação, mas quando entrar nele, verá um interior antiquado, muito bem decorado e agradável. Algo como primeira classe de trens a vapor dos anos 30.

Escolha um assento e aproveite a viagem. O motor a vapor é maravilhoso, os assentos são confortáveis, a decoração é exótica, lindas janelas e elegantes seleções de cores.

A tripulação é refinada e muito apreciável. Os cobradores conversam com você. De meia em meia hora, um garçom vem lhe oferecer os mais selecionados pratos.

A paisagem do lado de fora é estonteante. Lagos e montanhas, florestas profundas e praias cristalinas. Não tente reconhecer nada. Nenhuma árvore ou grão de areia cooresponde a algo da geografia conhecida.

Você não está sozinho. O trem está cheio de passageiros. Alguns vestidos como você, outro em roupas cerimoniais de civilizações estrangeiras, poucos vestido com muita elegância e muitos com roupas luxosas de no mínimo um século e meio atrás. Outros usam roupas que você nunca teria visto ou nunca imaginado, de cores que você nunca viu, o que pode lhe parecer totalmente enlouquecedor, e eles carregam coisas - eletrônicos, acessórios, gadjets?- que você nunca imaginaria.

Quando o trem chega na quarta parada (isso leva muitas horas), saia dele. Se você desembarcar antes, desaparecerá. Se você voltar - e alguns conseguem - você falará uma língua diferente, uma completamente desconhecida em nosso mundo. Você entrará em pânico e enlouquecerá em dias. Não comerá, não dormirá e só desejará o mundo que deixou para trás até a sua morte.

Se você descer depois da quarta parada?

Ninguém sabe.

Mas sabe-se que de tempos em tempos um corpo desmembrado é encontrado nos trilhos perto das plataformas de desembarque. Geralmente são só massas de carne em putrefação, vagamente reconhecidos como humanos. Apesar do absurdo do estado de decomposição que levaria muito tempo, eles aparecem bem rapidamente, em um piscar de olhos, muitas vezes.

Muitas vítimas ficam sem indentificação por não mostrarem nenhum sinal que possa ser usado para reconhece-los. Os identificados, entretanto, estavam cobertos por passagens de trens aos seus corpos, datados para viagens de dias, semanas, até meses e as vezes anos.

Dirão que foram suicidas ou pessoas que caiam acidentalmente nos trilhos.

Mas você sabe a verdade.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Disneylândia


Em 1999, minha família visitou a Disneylândia. Animados, fomos na atração It’s A Small World. Eu tinha 12 anos na época e minha irmã tinha 6 anos. Nós amamos cada momento, e nossos pais choraram de alegria com nostalgia. Mas eu me lembro que uma vez, perto do fim da atração, algumas luzes desligaram de repente, e as luzes da parte de trás iluminaram o teto. As partes móveis do brinquedo se desligaram, e os engenheiros de manutenção, vestindo macacões vermelhos, caminhavam para ajudar os passageiros nos barcos a saírem do enorme castelo por meio de saídas de emergência. Uma voz veio ao longo dos alto-falantes: "Disneyland thanks you for your visit. Please evacuate the attraction in an orderly fashion. Keep looking foward and follow the directions of staff. Thank you (A Disneylândia agradece pela sua visita. Favor evacuar a atração de forma organizada. Continue olhando para frente e siga as instruções do pessoal. Obrigado."

Os engenheiros não diziam muitas coisas para nós, pois eles rapidamente nos conduziam para fora do prédio. Haviam ambulâncias do lado de fora, e um carro de polícia estava estacionado na passarela principal. Na época, minha mãe ainda tinha sua câmera, então pode tirar algumas fotos dos tripulantes e close-ups dos brinquedos mecânicos. Ela tirou varias fotos às cegas de última hora, até terminar o último rolo de filme na câmera, já que estávamos indo revela-los no final da tarde, de qualquer maneira. Esta foi a última foto do carretel, visando o teto da atração.



quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Companhias


Sempre fui uma criança quieta e preferia sair para brincar no quintal do que ficar com outras pessoas. Uma criança normal, no geral, só um pouco tímida. Nunca socializei muito bem mas isso não me entristecia. Meu Pai achava que eu devia ter algum problema. Já minha mãe me achava inteligente demais para me misturar com os moleques da minha idade. Eventualmente precisei de companhia, e fiz alguns amigos. Imaginários, naturalmente. Uma dúzia deles, que eu usava em minhas brincadeiras de caça ao tesouro ou outras coisas de criança. Minha mãe não só achava isso normal como encorajava esse comportamento.


Um desses amigos era meu favorito. Na verdade, amiga. Nunca me dei ao trabalho de nomeá-la, como eu fazia com os outros, dando uma história de vida e tudo mais. Eu só a chamava de Ela. Ela sempre me contava coisas sobre pessoas que eu as vezes nem conhecia, e nem saberia subconscientemente. Ela era a única que não ia embora nunca. Era uma menina pálida que parecia acabar de ter se recuperado de alguma doença. Acho que gostava dela mais por esse lado dela se parecer comigo, e sempre observar as pessoas.

Quando eu ia a alguma loja ou só andava pelas ruas, ela me acompanhava, dizendo os segredos das pessoas. "Ele está indo se matar", "Ela está roubando aqueles biscoitos", "Não olhe para ele, você não vai querer saber o que ele quer..." Eu ouvia prontamente. Nunca precisei falar com ela para ela saber o que eu diria. Ao que os outros "amigos" sumiram quando comecei a escola, ela se manteve lá. Ficou até o segundo grau, me contando o segredo sujo de cada pessoa.

Eu sabia quem era abusado, quem era amado por quem, quem era odiado, quem estava traindo quem, quem havia colado em tal prova, e assim por diante. Passei a anotar tudo que ela me dizia em um diário. Eu me mantinha solitário e minha mãe começou a se preocupar e achar que eu ainda tinha amigos imaginários e por isso não fazia amigos reais, e estava certa. Era Ela. Ela estava por perto, e sempre que eu me aproximava de alguém, ela me contava os segredos sujos da pessoa até eu me afastar por não aguentar mais a pessoa.

Na metade do segundo grau decidi que ela deveria sumir de vez e simplesmente passei a ignorá-la. Ela ainda me seguiu por alguns meses mas logo desapareceu. Eu ainda tinha um sexto sentido sobre as pessoas, mas nada de uma garota me contando seus segredos. Eu não a matei nem a destruí, ela só foi embora.

Sem sua distração, pude fazer uma amiga. Nunca contei a Amy sobre Ela, porque eu já era estranho o suficiente. Sabia que Amy iria chorar e ligar para mim ou que ela estava chateada antes mesmo dela digitar meu número em seu telefone. Amy gostava disso e confiava em mim, se confortando e pegando conselhos sobre maus namorados e amigos. Estava mais do que feliz em ajudar essa garota que eu amava. Gostava de pensar que eu a protegia.

No último ano de colégio, Amy se irritou comigo. Se ela tentasse fazer amizade com qualquer outra pessoa, eu começava a lhe contar podres e falhas, até que ela não aguentava mais. Isso a estressava e ela dizia que não era da minha conta falar tanto das pessoas. Mas elas eram más pessoas. Eu era a única boa. Eu era a pessoa que ela deveria ser amiga.

Mesmo com ela me ignorando abertamente, continuei seguindo-a. Eu sempre estive olhando. Dava um jeito de deixar bilhetes a ela avisando sobre seus novos amigos, de como tal cara havia engravidado a namorada ou de como o outro era um abusador.
Após um tempo, comecei a me desgastar muito nisso e comecei a parecer meio doente. Me mudei para perto de Amy. Comecei a parecer mais jovem. Estava, na verdade, definhando.

Anos depois, encontrei uma menininha na floresta perto da casa de Amy. Ela disse que não tinha amigos e que gostava de ficar sozinha. "Eu também", logo falei, "E diga a sua mãe que seu novo namorado anda traindo ela".

O Homem


Eu sempre fui movido por medos bobos quando eu era uma criança. Aquela coisa de achar que tem algo no escuro, ou debaixo da cama, ou no armário. Eventualmente, esses meus medos foram cessando, e tive de aprender a ser mais duro com as coisas, no geral, com tudo na vida. A racionalizar mais, a ser mais adulto. Crescei, inevitavelmente. E foi durante o auge de meu amadurecimento racionalizado que conheci o Homem.


Minha prima havia ido dormir lá em casa certa noite, e estávamos sentados na sala, conversando sobre qualquer coisa, quando o tópico sobre fantasmas surgiu. Acho que estávamos vendo algo sobre isso na TV para que o assunto tenha aparecido. Durante a conversa, ela se abriu comigo e me contou que era perseguida por um fantasma a anos. Se soltou, desabafou e me contou as experiências.

A primeira foi quando ela havia concluído o treino de chefe de torcida e esperava a mãe ir buscá-la na escola. Ela olhou para um dos lados e lá viu ele. Estatura mediana, chapéu amarelo de construção, camisa preta suja de terra, luvas de trabalho e calça jeans sujos de sangue. Por volta dos 50 anos e com os olhos mais arregalados que ela já vira na vida, e uma expressão facial de resmungo terrível. Me contou do susto que levou, e de como reagiu pensando em logo correr para casa com medo dele. Quando ela fez um movimento e olhou de volta, ele havia desaparecido, e logo em seguida sua mãe chegara.

A outra experiência foi certa vez que ela voltava para casa do trabalho e ao finalmente entrar em casa, quando estava tirando os brincos no espelho, pode ver ele no reflexo, se virou e viu ele lá, na sua cozinha. Pode ver cada ruga e mancha do rosto dele, o sangue fresco e também seco em algumas partes, a terra caía de sua blusa branca. Ela, já um pouco mais acostumada com a aparição dele, não gritou, apenas fechou os olhos e abriu de novo. Ele ainda estava lá. Ela só correu para seu quarto e foi perseguida pelos seus olhos terríveis. Na manhã seguinte, haviam pegadas de botas de trabalho por todo o andar de baixo. Ela piscou, e as marcas haviam sumido.

Houveram muitas outras aparições, mas de menor porte ou importância. Segundo ela, ele nunca a machucou ou atrapalhou, só, realmente, aparecia com muita frequência e assustava muito. Ela me contou tudo isso, e eu achei meio difícil de crer. Ainda assim fui compreensivo e deixei ela chorar em meu ombro. Me agradeceu, dizendo se sentir bem melhor por dividir aquilo com alguém.

Acordei naquela mesma madrugada, as 3:30, em uma piscina de suor. Corri para a garagem para conseguir um ventilador, para que talvez o fim da  noite fosse possível conseguir dormir. Quando abri a porta da cozinha para a garagem, lá estava ele. A menos de dois metros de mim.

A mesma descrição que ela dera. Capacete de obras, luvas de trabalho, jeans e luvas sujos de sangue, camisa suja de terra, olhos arregalados e uma expressão de ódio em sua face. Pulei para trás, gritei alto demais e derrubei muita parafernalha.
Naturalmente acordei a todos. Meus pais chegaram em segundos, perguntando mil coisas que eu não respondi. Só conseguia apontar para o lugar onde ele estava. Ao olhar, bem, ele não estava mais lá. Minha prima chegou logo em seguida, assombrada, desconfiando o que devia ter acontecido. Trocamos olhares e voltamos para cama. Minha mãe me deu calmantes e eu apaguei logo, drogado.

No dia seguinte minha prima voltou para sua casa, despedi-me dela, mas só conseguia pensar em como era aliviador em saber que ela indo embora, o homem iria com ela. Todos concordamos com isso sem trocar nenhuma palavra sobre o assunto. Eu me arrependo muito. Deveria ter especificado. Talvez ele tivesse ido com ela...

Mais uma noite de insonia, dessa vez, devido a meu espelho que se quebra expontaneamente. Pulei da cama e fiz contato visual com ele. Usando as mesmas roupas de sempre. Ele movia os lábios, mas nenhum som saia. Não sei ler lábios, mas ele me xingava, com toda a certeza. Ficou um bom tempo sem mexer a boca e logo em seguida, começou de novo, dessa vez, com a fala de alguém que faz algo que não gosta. Pude ouvir sua voz reverberar em algum profundo lugar do meu cérebro. "Proteger. Você." Não podia entender mais nada, era só como uns zumbidos graves na minha cabeça. Ele começou a se mover em minha direção, e logo encostaria em mim. Pulei para minha cama, mas ainda a tempo de perceber que era um blefe dele, só para que eu me deitasse. Me cobri dos pés a cabeça e eventualmente dormi.

Pela manhã tive de falar a minha mãe que quebrei o espelho sem querer. Não pensei duas vezes, liguei para minha prima e conversei:

Eu: "Tem tido visões do Homem ultimamente?"
Ela:"Meu Deus, não, como você sabe?"
Eu"Ele realmente não tem lhe perturbado?"
Ela:"Não, graças a Deus. Mas, ei, o que est..."
Eu:"Nada mesmo?"
Ela:"Nada. Não tenho tido nenhuma visão desde que lhe visitei..."
Eu:"..."
Eu:"Obrigado. Nos falamos depois. Tchau."
Ela:"...Até logo..."

Minha prima morreu dias depois. Só pude notar as intenções do Homem comigo depois de muito tempo. Ele é meu protetor. Nunca deixa meu lado. Não quero nenhum tratamento especial e estou cansado dele o tempo todo comigo, todo dia. Não quero ser protegido a esse custo... só quero minha vida de volta.



----- Um mês depois -----


Ele tem me salvo da morte todo esse tempo. Como eu não percebi que estava sempre tanto em risco? Talvez ele escolha pessoas especiais e as proteja... Talvez ele só decide te seguir randomicamente, ou talvez ele escolha as pessoas que estão prestes a morrer e as segue para lhes dar mais tempo. Eu sei que sob essa ameaça de ser deixado e morrer, tudo que eu quero é manter ele comigo o máximo que puder. Não vou deixá-lo ir, não posso falar dele a ninguém nem deixar ele entrar em contato com ninguém. Me mudei para um apartamento de porão em um dos extremos da cidade. Ainda tenho muito a viver, não posso perder ele. Não agora. Ver seus olhos graves e sua expressão de rancor e ódio refletida em meu notebook conforme escrevo isso me deixa muito seguro.

Caçador de Sonhos



Eu nunca saberia se não tivesse visto com meus próprios olhos. O caçador de sonhos. Não esses penduricalhos que colocamos em nossas janelas, esses terríveis artesanatos de acampamento de verão feito de galhos, cordas, penas e tal. Não. O caçador de sonhos o qual ninguém se atrevia a ver, imaginar ou vir a entender. Chama-lo de "pessoa" seria um verdadeiro insulto para todas as coisas reais. Mas de novo, ele é tão real quanto as pessoas afirmam ser. Ainda mais para as crianças...
Eu perdi minha menino muitos anos atrás. Perdi no sentido real da palavra... para o desconhecido. Enquanto ele brincava no bosque atrás de nossa cabana nas colinas rurais de Maine. Um lugar tão remoto que normalmente ficávamos abrigados meses durante o inverno em nossa cabana, vivendo de nossos ganhos de suplementos que tínhamos estocado durante o verão e coletado no outono.
Tudo aconteceu em um dia frio de outono. Ele era uma das poucas crianças que podia sair para brincar antes que o inverno nos confinasse. Ele implorou para mim para sair e eu sabendo que logo o inverno cravaria seus dentes finos no ar e ele não teria mais chance de correr e brincar por um bom tempo. Sabendo disso eu permiti pois sabia que não precisávamos nos preocupar com estranhos por que não havia nenhum para nos preocupar. Eu estava preparando algumas das comidas que precisaríamos conservar para o inverno solitário que estava por vir enquanto ele saía de casa pela última vez. Depois de uma hora eu não conseguia mais ouvir os distantes sons da imaginação infantil que trazia a vida monstros enquanto lutava de espadas com árvores. Eu olhei pela janela e não vi nada. Meu filho (nenhum estranho perambulando lá fora) fez com que eu pegasse meu casaco e fosse para rua procura-lo. Depois de cinco minutos chamando seu nome "Charlie!... CHARLIE!.... CHARLIEEE!" Eu comecei a entrar em pânico.
Três semanas, cinco policiais de busca e dois helicópteros e então a tempestade começou. Charlie estava perdido e todos os meios de buscas estavam cancelados. Eu estava sozinho e não tinha nada para confortar meus pensamentos a não ser a chance de que algum jeito... de algum jeito ele ainda estava vivo. Lá fora... em algum lugar.  Então os sonhos começaram.
No começo eles me acordavam. Visões desfocadas de estar meio acordado... não como um suspiro, mas tipos de sons. Charlie me chamando...papai...papai... Só até me botar de volta ao meu senso normal e me levar de volta ao desespero. Mais de uma vez eu pensei em acabar com tudo isso, mas aquela luz no fim do túnel... aquela madista luz no fim do túnel não me deixava partir. Eu só podia pensar em um destino pior do que perder meu filho. Que seria deixar esse mundo até para tê-lo de volta. Eu não podia deixar isso acontecer... Eu tinha que saber.
Após algumas semanas os sonhos se tornaram mais e mais lúcidos. Eu podia ver Charlie mas não como eu me lembrava. Era quase um fantasma, transparente... Porém diferente de um fantasma. Não era cinza e enrugado, era dourado. Quase como uma luz de lâmpada através de papel. Ele me chamou. Papai, papai... Estou aqui, estou aqui com o caçador de sonhos. Agora tenho um novo tormentador... minha própria mente.

Março, finalmente o fim do inverno. Um inverno inteiro de ventos e neve. Empilhados altos bem sobre as pontas dos telhados estavam os montículos remanescestes de neve, lembretes do pior inverno que poderíamos nos lembrar. Eu precisava sair, precisava andar. Meses de sonhos, pensamentos e planejamentos. O que eu faria, onde eu iria? Ninguém poderia acalmar meus nervos alucinados, nada poderia me manter quieto. Estaria louco? Talvez, mas isso não me impediria de continuar tentando.

Juntei todas as minhas coisas, tudo que eu podia carregar, e fui atrás do meu menino, para encontrá-lo, em qualquer estado... Ou morrer tentando. Os primeiros dia da viagem me levaram ao meio de uma floresta negra. Passei uma boa semana (ou algo assim) andando por dentro do desconhecido. Não fazia idéia de onde estava. No fim, eu só estava procurando por algo para usar como ponto de referência caso me perdesse... mas já havia me perdido. Cada lufada de vento eu ouvia um fraco suspiro, de uma direção diferente... "Papai", "Estou aqui", "Papai". Não sabia diferenciar se era realidade ou um cruel resíduo de meus sonhos. Nesse ponto não me importava mais, não tinha nada a perder.

Então eu vi ele... Ou mais ou menso ele...  Não era o menino que eu cuidei todos esses anos... correndo por ai cheio de vida. Não. Isso era apenas o que havia sobrado.

Preso entre duas árvores, pelos braços e pés, estava a pele do meu filho. Esticada e seca pelo frio e cruel inverno. Ao que me aproximei, o sol brilhou por de trás, criando o brilho mais intenso que eu já tinha visto. E dois finos raios passando pelos buracos que um dia foram seus olhos, nariz e boca. Tremi, cambaleei, tendo perdido toda a energia, olhando-o, sabendo do que havia ocorrido, da pior maneira possível...

Uma gentil brisa soprou da direção do sol por trás dele. Seu couro suavizado e dobrado pelo vento, preenchendo sua casca vazia. O vento... passando por sua boca... se tornando algo... suspirando... "Papai... estou aqui... estou aqui... com o caçador de sonhos".

Vá dormir.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O Caleidoscópio.



Enquanto em Lua de Mel em Maine, minha esposa e eu paramos na pitoresca cidade de Bootbay em um dia particularmente chuvoso e sombrio. Sendo que nosso plano de piquenique estava fora de questão, procuramos abrigo em uma pequena loja de antiguidades perto do porto. Enquanto minha mulher inspecionava o tampo e os lados da enorme mesa perto da porta, eu ansiosamente examinei as antigas ferramentas e equipamentos da marina dentro do balcão de vendas feito de vidro na parte de trás da loja. Sendo um colecionador de óticos e instrumentos da marinha, eu esperei encontrar um sextante, ou talvez um telescópio com capa de couro antiga.

Uma peça particularmente interessante prendeu o meu olhar. Parecia ser uma pesada lanterna de cobre, tendo uma pátina marrom desgastada mas com um notável design moderno. Eu perguntei para o vendedor sobre, mas ele só pode me dizer que tinha sido encontrada no peito de um marinheiro junto com as várias bússolas e do sextante também em exposição. Ele perguntou se eu gostaria de comprar por 5 dólares ou talvez tê-lo de graça. "É inútil para mim, ninguém quer isso." Quando eu comentei sobre o preço, ele suspirou,  então abriu a cabine e pegou para mim.
"Aqui, veja por você mesmo, amigo."

O artesanato era maravilhoso, bastante durável e aparentemente feito a mão, talvez feito em algum lugar da Europa.  Letras gastas indicavam que talvez fosse de origem germânico, ou talvez Austríaco. Eu girei o alojamento do bulbo e um fraco feixe vermelho. Indo para um canto mais escuro da loja, fui saudado com redemoinhos monótonos, se movendo e se torcendo com os outros como um poço de enguias. Enquanto eu olhava para esse diferentes imagens que o  caleidoscópio projetava, minha mente fantasiosa começou a inventar faces sinistras e tentáculos retorcidos. Fechando o instrumento, eu me virei  animadamente para vendedor.

"Fantástico!" Eu disse. "Deve ter um filtro de óleo ou algo do tipo na frente da lente! Eu tenho dois caleidoscópios vitorianos, mas nenhum deles é iluminados como esse."

"Você não entende, não é? Ninguém entende. Todos eles voltam para pegar o que é seu depois de um tempo."  O vendedor se inclinou por cima do balcão e percebi que sua respiração estava pesada e ele estava transpirando. "Todos pensam que é algum tipo de truque.... até que eles começam a ver isso quando as luzes estão apagadas." Ele continuou. "Não há projeção, senhor. Essa... essa coisa maldita, a luz... não  está 'fazendo' as criaturas. Só está mostrando ao seus olhos o que já esta aqui realmente."

Sr. Anjo


Sr. Anjo sentou perto de mim em um banco em um parque. Ele é meu melhor amigo. Eu apontei para um senhor que estava sentado logo minha frente.

"O que ele está fazendo, Sr. Anjo?”

Um cigarro apagado estava no canto da boca do homem. Seus olhos estavam murchos com a idade e ele olhava cegamente para o nada. Sr.Anjo se inclinou para mim e sussurrou em minha orelha.

"Ele está procurando por uma mulher que perdeu a muito tempo atrás."

Ele murmurou. Sua palavras eram quente contra a minha bochecha enquanto eu sorria para ele. Eu gostava dos seus segredos; Sr. Anjo sabia de tudo.

"Isso é muito triste, Sr. Anjo." Eu disse. "Porque você não o ajuda?”

Eu não pude ver, sendo que ele não tinha boca, mas ele estava sorrindo. Ele levantou e andou silenciosamente até onde o senhor estava sentado e encostou um único dedo ossudo no centro do peito do homem antes de se virar e sentar novamente perto de mim. Ele puxou o manto negro que sempre vestia.

"O que você fez, Sr. Anjo?” Perguntei.

Eu pude ouvir Sr. Anjo suspirar cansadamente enquanto de apoiava na foice que carregava.

"Eu o enviei de volta para sua mulher," sua voz soou raspada. "Eu levei-a a muito tempo atrás e ela estava se tornando muito sozinha."

Eu olhei para o senhor. Ele estava debruçado em seus joelhos enquanto agarrava dolorosamente  o peito no lugar do coração. Seu rosto parecia bem fechado, e eu podia ouvi-lo bufando enquanto lutava para respirar.
"Sr. Anjo! O que você fez?” Chorei, "Isso não está o ajudando!"

Mas Sr. Anjo ficou sentando silenciosamente vendo o homem sofrer. Eu fiz pequenos punhos com as mãos e tentei socar pateticamente os ombros dele, mas tudo que consegui foi um ar vazio e frio. Uma lágrima escorreu pela minha bochecha.

"Sr. Anjo!" Eu gritei.
"Sr. Anjo, volte!"

As lágrimas  pingavam dos meus olhos enquanto eu enterrei meu rosto no meu colo e chorei. Eu me virei para olhar o corpo do senhor. Estava duro agora, mas seu rosto não parecia apertado e fechado. Ele não estava apertando o peito desesperadamente; ele estava deitado em suas costas com as mãos apoiadas contra o coração. Seu rosto parecia aliviado, calmo. Contente.

Eu me levantei do banco. Eu tinha a sensação de que a qualquer momento o cadáver ia pular e rir na minha face. Eu queria que fosse algum tipo de piada idiota. Eu desejava que alguém estivesse rindo, mas tudo que eu ouvia era a paz que seguia depois de alguém ter falecido. Eu pairei sobre o corpo enquanto minhas lagrimas caiam em sua pele. Eu não sabia o que fazer.

"Por favor.." eu implorei, "levante-se!"
"Por favor! Levante-se!" Eu sacudi seus ombros. Nada.
"Levante!" Eu pousei minhas mãos nas palmas das mãos do homem. Nada. Nenhum batimento cardíaco.

"O senhor está onde ele devia estar agora," Eu ouvi uma velha conhecida voz ecoar atrás de mim. "Ele está feliz." Suas palavras arrastaram-se contra minha pele.

Eu olhei para trás. Sr Anjo estava assistindo-me do banco do parque.

"Você o matou!" Eu gritei.

Meu respirar estava descompassado. Eu não sentia minhas pernas. Sr. Anjo levantou do banco e andou até mim. Ele se ajoelhou e eu pude sentir seu movimento mórbido por cima de mim em um abraço caloroso. Eu olhei para cima e o contente rosto negro de Sr. Anjo me fitou. Ele pegou sua foice com uma das mãos e com a outra ele a encostou em meu ombro. Eu não podia vem, mas eu sabia que ele estava sorrindo.

"Morte," Eu disse para ele.

Minha voz ainda estava rouca e sufocada por algumas lágrimas.

"Você realmente o ajudou?”

Morte olhou para mim e se inclinou mais perto.

"Minha doce pequenina," ele sussurrou docemente,

"A morte pode ser muitas coisas.
A morte pode ser difícil. Morte pode ser dolorosa.
A morte um dia estará em seus calcanhares.
Mas nunca se esqueça,
A melhor coisa a fazer quando a Morte lhe cumprimentar é adota-la como uma amiga."

Ele me puxou para mais perto. Eu sentia seu manto lentamente me envolver. Eu me sentia confortável e acolhida. Era bom estar perto da morte.

"Agora, não me chame de Morte. Eu sou um anjo, lembra?” Eu ri para ele e sequei uma lágrima.

"Porque você leva as pessoas para o céu, não é?”

Ele acenou com a cabeça.

"Sr. Anjo," eu falei. "Você é meu melhor amigo, não é?”

Eu parei de respirar. Seu sorriso tinha sumido e o manto estava frio enquanto acariciava minha pele.

"Sim." A Morte declarou. "Eu sou seu melhor amigo."