quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Companhias


Sempre fui uma criança quieta e preferia sair para brincar no quintal do que ficar com outras pessoas. Uma criança normal, no geral, só um pouco tímida. Nunca socializei muito bem mas isso não me entristecia. Meu Pai achava que eu devia ter algum problema. Já minha mãe me achava inteligente demais para me misturar com os moleques da minha idade. Eventualmente precisei de companhia, e fiz alguns amigos. Imaginários, naturalmente. Uma dúzia deles, que eu usava em minhas brincadeiras de caça ao tesouro ou outras coisas de criança. Minha mãe não só achava isso normal como encorajava esse comportamento.


Um desses amigos era meu favorito. Na verdade, amiga. Nunca me dei ao trabalho de nomeá-la, como eu fazia com os outros, dando uma história de vida e tudo mais. Eu só a chamava de Ela. Ela sempre me contava coisas sobre pessoas que eu as vezes nem conhecia, e nem saberia subconscientemente. Ela era a única que não ia embora nunca. Era uma menina pálida que parecia acabar de ter se recuperado de alguma doença. Acho que gostava dela mais por esse lado dela se parecer comigo, e sempre observar as pessoas.

Quando eu ia a alguma loja ou só andava pelas ruas, ela me acompanhava, dizendo os segredos das pessoas. "Ele está indo se matar", "Ela está roubando aqueles biscoitos", "Não olhe para ele, você não vai querer saber o que ele quer..." Eu ouvia prontamente. Nunca precisei falar com ela para ela saber o que eu diria. Ao que os outros "amigos" sumiram quando comecei a escola, ela se manteve lá. Ficou até o segundo grau, me contando o segredo sujo de cada pessoa.

Eu sabia quem era abusado, quem era amado por quem, quem era odiado, quem estava traindo quem, quem havia colado em tal prova, e assim por diante. Passei a anotar tudo que ela me dizia em um diário. Eu me mantinha solitário e minha mãe começou a se preocupar e achar que eu ainda tinha amigos imaginários e por isso não fazia amigos reais, e estava certa. Era Ela. Ela estava por perto, e sempre que eu me aproximava de alguém, ela me contava os segredos sujos da pessoa até eu me afastar por não aguentar mais a pessoa.

Na metade do segundo grau decidi que ela deveria sumir de vez e simplesmente passei a ignorá-la. Ela ainda me seguiu por alguns meses mas logo desapareceu. Eu ainda tinha um sexto sentido sobre as pessoas, mas nada de uma garota me contando seus segredos. Eu não a matei nem a destruí, ela só foi embora.

Sem sua distração, pude fazer uma amiga. Nunca contei a Amy sobre Ela, porque eu já era estranho o suficiente. Sabia que Amy iria chorar e ligar para mim ou que ela estava chateada antes mesmo dela digitar meu número em seu telefone. Amy gostava disso e confiava em mim, se confortando e pegando conselhos sobre maus namorados e amigos. Estava mais do que feliz em ajudar essa garota que eu amava. Gostava de pensar que eu a protegia.

No último ano de colégio, Amy se irritou comigo. Se ela tentasse fazer amizade com qualquer outra pessoa, eu começava a lhe contar podres e falhas, até que ela não aguentava mais. Isso a estressava e ela dizia que não era da minha conta falar tanto das pessoas. Mas elas eram más pessoas. Eu era a única boa. Eu era a pessoa que ela deveria ser amiga.

Mesmo com ela me ignorando abertamente, continuei seguindo-a. Eu sempre estive olhando. Dava um jeito de deixar bilhetes a ela avisando sobre seus novos amigos, de como tal cara havia engravidado a namorada ou de como o outro era um abusador.
Após um tempo, comecei a me desgastar muito nisso e comecei a parecer meio doente. Me mudei para perto de Amy. Comecei a parecer mais jovem. Estava, na verdade, definhando.

Anos depois, encontrei uma menininha na floresta perto da casa de Amy. Ela disse que não tinha amigos e que gostava de ficar sozinha. "Eu também", logo falei, "E diga a sua mãe que seu novo namorado anda traindo ela".

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