quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Caçador de Sonhos



Eu nunca saberia se não tivesse visto com meus próprios olhos. O caçador de sonhos. Não esses penduricalhos que colocamos em nossas janelas, esses terríveis artesanatos de acampamento de verão feito de galhos, cordas, penas e tal. Não. O caçador de sonhos o qual ninguém se atrevia a ver, imaginar ou vir a entender. Chama-lo de "pessoa" seria um verdadeiro insulto para todas as coisas reais. Mas de novo, ele é tão real quanto as pessoas afirmam ser. Ainda mais para as crianças...
Eu perdi minha menino muitos anos atrás. Perdi no sentido real da palavra... para o desconhecido. Enquanto ele brincava no bosque atrás de nossa cabana nas colinas rurais de Maine. Um lugar tão remoto que normalmente ficávamos abrigados meses durante o inverno em nossa cabana, vivendo de nossos ganhos de suplementos que tínhamos estocado durante o verão e coletado no outono.
Tudo aconteceu em um dia frio de outono. Ele era uma das poucas crianças que podia sair para brincar antes que o inverno nos confinasse. Ele implorou para mim para sair e eu sabendo que logo o inverno cravaria seus dentes finos no ar e ele não teria mais chance de correr e brincar por um bom tempo. Sabendo disso eu permiti pois sabia que não precisávamos nos preocupar com estranhos por que não havia nenhum para nos preocupar. Eu estava preparando algumas das comidas que precisaríamos conservar para o inverno solitário que estava por vir enquanto ele saía de casa pela última vez. Depois de uma hora eu não conseguia mais ouvir os distantes sons da imaginação infantil que trazia a vida monstros enquanto lutava de espadas com árvores. Eu olhei pela janela e não vi nada. Meu filho (nenhum estranho perambulando lá fora) fez com que eu pegasse meu casaco e fosse para rua procura-lo. Depois de cinco minutos chamando seu nome "Charlie!... CHARLIE!.... CHARLIEEE!" Eu comecei a entrar em pânico.
Três semanas, cinco policiais de busca e dois helicópteros e então a tempestade começou. Charlie estava perdido e todos os meios de buscas estavam cancelados. Eu estava sozinho e não tinha nada para confortar meus pensamentos a não ser a chance de que algum jeito... de algum jeito ele ainda estava vivo. Lá fora... em algum lugar.  Então os sonhos começaram.
No começo eles me acordavam. Visões desfocadas de estar meio acordado... não como um suspiro, mas tipos de sons. Charlie me chamando...papai...papai... Só até me botar de volta ao meu senso normal e me levar de volta ao desespero. Mais de uma vez eu pensei em acabar com tudo isso, mas aquela luz no fim do túnel... aquela madista luz no fim do túnel não me deixava partir. Eu só podia pensar em um destino pior do que perder meu filho. Que seria deixar esse mundo até para tê-lo de volta. Eu não podia deixar isso acontecer... Eu tinha que saber.
Após algumas semanas os sonhos se tornaram mais e mais lúcidos. Eu podia ver Charlie mas não como eu me lembrava. Era quase um fantasma, transparente... Porém diferente de um fantasma. Não era cinza e enrugado, era dourado. Quase como uma luz de lâmpada através de papel. Ele me chamou. Papai, papai... Estou aqui, estou aqui com o caçador de sonhos. Agora tenho um novo tormentador... minha própria mente.

Março, finalmente o fim do inverno. Um inverno inteiro de ventos e neve. Empilhados altos bem sobre as pontas dos telhados estavam os montículos remanescestes de neve, lembretes do pior inverno que poderíamos nos lembrar. Eu precisava sair, precisava andar. Meses de sonhos, pensamentos e planejamentos. O que eu faria, onde eu iria? Ninguém poderia acalmar meus nervos alucinados, nada poderia me manter quieto. Estaria louco? Talvez, mas isso não me impediria de continuar tentando.

Juntei todas as minhas coisas, tudo que eu podia carregar, e fui atrás do meu menino, para encontrá-lo, em qualquer estado... Ou morrer tentando. Os primeiros dia da viagem me levaram ao meio de uma floresta negra. Passei uma boa semana (ou algo assim) andando por dentro do desconhecido. Não fazia idéia de onde estava. No fim, eu só estava procurando por algo para usar como ponto de referência caso me perdesse... mas já havia me perdido. Cada lufada de vento eu ouvia um fraco suspiro, de uma direção diferente... "Papai", "Estou aqui", "Papai". Não sabia diferenciar se era realidade ou um cruel resíduo de meus sonhos. Nesse ponto não me importava mais, não tinha nada a perder.

Então eu vi ele... Ou mais ou menso ele...  Não era o menino que eu cuidei todos esses anos... correndo por ai cheio de vida. Não. Isso era apenas o que havia sobrado.

Preso entre duas árvores, pelos braços e pés, estava a pele do meu filho. Esticada e seca pelo frio e cruel inverno. Ao que me aproximei, o sol brilhou por de trás, criando o brilho mais intenso que eu já tinha visto. E dois finos raios passando pelos buracos que um dia foram seus olhos, nariz e boca. Tremi, cambaleei, tendo perdido toda a energia, olhando-o, sabendo do que havia ocorrido, da pior maneira possível...

Uma gentil brisa soprou da direção do sol por trás dele. Seu couro suavizado e dobrado pelo vento, preenchendo sua casca vazia. O vento... passando por sua boca... se tornando algo... suspirando... "Papai... estou aqui... estou aqui... com o caçador de sonhos".

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