quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Hora de dormir III (pt.5)


A alguns dias atrás eu postei duas histórias de dar pesadelos que aconteceram comigo na minha infância, então seria melhor se você lesse elas primeiro para entender completamente o que aconteceu comigo. Eu tenho sido compelido ao silêncio, tomado pelo medo irracional de que de alguma forma, mesmo depois de tantos anos, se eu falasse sobre isso, aquelas coisas iram me perseguir mais uma vez e causar um estrago na minha vida.

No nome da ciência e da razão eu confrontei esses medos e me livrar dessas memórias perturbadoras e de uma vez por toda compartilhar com outras pessoas, expondo-os pelo o que eu achava que eles eram; as desilusões de uma criança perturbada. Eu venho me segurando no meu ceticismo e racionalidade por toda vida, eu tenho deixado elas me definir, mas nessa manhã eu fui presenteado com provas fisicamente verificáveis. Provas do que eu não sei o que é, mas não posso ignorar, e parece estranho para mim que os últimos dias tem sido tão maculados pela apreensão e desgraça depois de finalmente ter quebrado o meu silêncio, que eu não posso mais contar com explicações convencionais e racionais.

Na sequência de compartilhar essas experiências traumáticas enquanto criança, eu venho sendo atormentado por uma enorme sensação de desconforto. Inicialmente, eu relacionava isso ao medo que eu tinha experimentado em simplesmente contar e reviver esses eventos terríveis em minha mente, mas os dias foram passando e a agonia aumentando; um sentimento de morte iminente consumia cada um de meus pensamentos.

Enquanto eu ficava sonolento, o descanso não vinha junto com essa sensação. Toda manhã eu acordava, meu nervos a flor da pele, como se eu tivesse sido privado de dormir por uma década. Nada verdadeiramente assustador aconteceu durante as primeiras noites, nenhum visitante, nenhuma respiração chiada vindo de dentro das paredes do meu quarto, mas eu estava com a estranha sensação de que não estava sozinho.

Não me entenda mal, eu não sentia que outra pessoa estava no quarto comigo. Eu não ouvia, sentia cheiro, ou sentia qualquer coisa remotamente sobrenatural, mas ao longo dos meus dias e noites eu tinha sentido algo sutil, quase no contorno da minha consciência, a sensação de que algo estava a caminho, como as primeiras lufadas estagnadas de ar de um túnel de metrô, anunciando a chegada de uma monstruosidade impáravel; surpreendente, mas ainda assim esperado.

Minha sensação de mal-estar cresce a cada dia que passa, pressionando sob minha pele, fundo em minha mente como uma infecção cancerígena. Eu tentei focar minha atenção em vários projetos de escrita em uma tentativa frustrada de preencher minha mente até a borda com outros pensamentos, com esperança de não deixar nenhum espaço para aquelas memórias contaminadas. Mas, no entanto, esses pensamentos fizeram seu caminho a minha mente perturbada.

Minha ansiedade ganhou tanta força até que eu não conseguia pensar em mais nada. Eu tinha que fazer alguma coisa! Eu tinha estudado psicologia por anos na faculdade, e com isso eu sabia que a ansiedade é normalmente o resultado da perda de controle, e que um dos modos mais eficientes de combatê-la é  fortalecer a sim mesmo; e isso era o que eu pretendia fazer. Chame isso de imprudente, mas eu estava indo de volta para aquele lugar, a casa onde aqueles terríveis acontecimentos tiveram inicio. Eu estava indo confrontar aquelas memórias e expô-las pelo o que elas eram: um absurdo.

Era uma hora de carro até minha antiga casa, mas eu a fiz com alegria. Eu estava confiante, à vontade, feliz; Eu estava no controle agora e nada iria ficar no meu caminho de mostrar a mim mesmo que o lugar que eu temi toda a minha vida não era nada mais que uma casa de tamanho médio, monótona e inofensiva.
Alegremente eu fiz o meu caminho pela autoestrada e finalmente cheguei à cidade. Aos poucos as ruas começaram a se tornar familiares. Memórias de brincar naquele bairro vieram a tona à mim, um parquinho com meu escorregador favorito, uma quadra de concreto onde eu costumava jogar bola, o pátio do meu colégio cheio de lugares para esconde-esconde e amizades abandonadas mas nunca esquecidas.

Minha mente vagou por essas memórias; me puxou tanto que quando me dei conta eu já estava na rua onde eu tinha vivido uma vez. O caminho tinha sido longo e foi finalmente desaparecendo em uma curva cega acentuada. Era uma vizinhança antiga, e tinha sido planejada e construída muito antes da vaga ideia do automóvel; isso era evidente pelas suas ruas estreitas, dando uma sensação claustrofóbica, como se as casa tivessem sido estendidas de cada lado da rua, olhando de soslaio para os que passavam por lá.
Eu diminui a velocidade e olhei para cada casa que eu passava. Era um lugar uniforme, mas cada casa não era muito diferente entre si. De repente meu coração começou a acelerar com um calafrio correndo por minha coluna, e lá estava, lá estava a casa! Era fim de tarde e a rua estava calma, quase solitária. Eu olhei para aquele lugar pensando como uma casa tão comum podia ter instalado tanto medo em mim.

Eu, inicialmente, tinha a intenção apenas de olhar a casa de longe, confirmando para mim mesmo que era apenas materiais de construções juntos, inteiramente explicável, e não tinha nada estranho por lá. Mas quando eu estacionei e respirei fundo, antes que eu percebesse eu estava fora do meu carro, andando ao longo daquele portão velho, uma vez que suas formas metálicas floreais estavam escurecidas pelo o tempo, descamando em uma pintura verde escura, revelando a ferrugem por baixo. Corri meus dedos pelo topo irregular, e com um suspiro, empurrei e abri o portão.

Caminhando ao longo do pátio eu estava chocado com a forma que o jardim fora abandonado. Eu fiquei pensando para mim mesmo o desperdício que era aquele gramado que costumava ser de ótima qualidade, e agora não era nada mais que um mosaico obscurecido de ervas daninhas e outras espécies invasoras, mas quando me aproximei da casa, percebi porquê: Estava desocupada. Mais um arrepio ­correu pelo meu corpo, mas enquanto a ansiedade acordava, eu desfiz o pensamento com meu mantra mental:

"A mais simples das explicações é geralmente a correta".

Eu presumi que, devido a atual conjuntura econômica na qual a casa tinha sido posta a venda tinha ficado apenas por um tempo, e que o proprietário não estava muito consciente de que as pessoas "julgam o livro pela capa", mas quando eu olhei em volta eu não vi nenhuma placa de " A venda" ou de "Aluga-se". A casa parecia realmente como se tivesse sido esquecida, abandonada e deixada para apodrecer.

As janelas da frente da casa estavam imundas, e assim, ficando impossível de olhar por elas, mas  eu vaguei contornando a construção e pude ver mais claramente dentro. Eu imaginei que uma casa como essa estaria vazia, mas ao contrário, estava totalmente ocupada, ocupada por tralhas do mundo moderno. Eu podia ver uma televisão em uma estante em um canto da sala de estar, uma mesinha de centro com revistas espalhadas por cima, varias peças de mobília como se estivesses prontas para serem usadas, e duas xícaras de cafés no parapeito da janela ainda cheias, cobertas de bolor. Eu acreditaria que a casa era ainda habitada se não fosse a grossa camada de poeira que cobria tudo lá, e uma grande quantidade de teias de aranha.

Parecia que as últimas pessoas que tinham morado ali tinham saído as pressas, e nunca voltaram.

 Andando por um mar de grama que ia até minha cintura, eu eventualmente cheguei pequena e inofensiva janelinha do fundo da casa. O simples vislumbre da janela me meteu medo, mas era apenas uma velha memórias e não um sentimento esquisito de estar sendo vigiado de fora como eu tinha acontecido comigo quando criança.

Uma profunda onda de raiva tomou meu corpo momentaneamente, mas eu a tirei da minha cabeça rapidamente. O quarto tinha sido claramente de uma criança e o pensamento da coisa assustando ou machucando mais um inocente ser me encheu de desprezo por tal pensamento, e dentro de mim crescia a vontade de querer proteger qualquer criança de tal abominação.

Ao olhar para a parede, de qual uma cama estava encostada, os cabelos da minha nuca ficaram de pé. Por um momento (e foi o menor deles) eu achei ter visto a coberta de cima da cama se mexer. Mais do que isto, através da vidraça da janela, eu poderia jurar que ouvi um gemido chiado. Fechando meus olhos com força eu repeti mentalmente meu outro mantra cientifico:

" A ciência não deve suas dívidas à imaginação."

Abrindo os olhos, eu  não vi nada além de um quarto vazio. Nenhum espírito imundo, nada sobrenatural; Apenas um quarto, nada mais, nada menos. Dei um suspiro de alívio como se tudo estivesse certo, em seu devido lugar, pela primeira vez em muito tempo. Você pode pensar que era uma ilusão, mas eu realmente senti que eu tinha mostrado a mim mesmo que não havia nada a temer, além da minha imaginação fértil.

Estava começando a ficar escuro e eu queria estar em casa antes da noite. Agora cheio de confiança que minha ansiedade escondia, havia mais uma coisa que eu tinha que fazer. Quando nós deixamos a casa, fizemos isso apressadamente. Como eu era criança foi muito desorientador, até mesmo muito assustador deixar tudo que eu conhecia para trás, mas havia uma coisa que eu quis saber sobre.

No fundo do jardim havia uma árvore de Sicômoro que parecia ser ainda mais antiga do que a casa. Fiquei espantado como ela tinha ficado inalterada com o passar dos anos Eu tinha crescido, passado por várias fases da minha vida, mas o velho Sicômoro ainda estava de pé, sábio, quase amigável em sua aparência. 

(CONTINUA...)

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