sábado, 26 de janeiro de 2013

Hora de dormir I (pt.2)


Eu acordei aos poucos. O quarto estava escuro mais uma vez. No momento em que meus olhos se ajustaram a luz eu pude localizar a janela, a porta, as paredes, alguns brinquedos, uma prateleira e... Até hoje eu me arrepio quando penso nisso, não havia nenhum som. Sem som dos lençóis. Sem nenhum movimento. O quarto parecia sem vida. Sem vida, mas não vazio.


O visitante noturno, o não desejado, chiando,a coisa cheio de ódio que tinha me aterrorizado noite após noite, não estava na cama de baixo, estava na minha cama! Eu abri minha boca para gritar, mas nada saiu dela. O terror tinha sumido completamente com a minha voz. Eu fiquei deitado sem ação; se eu não podia gritar, eu não queria que a criatura soubesse que eu estava acordado.

Eu ainda não o tinha visto, eu podia apenas senti-lo. Estava tapado de baixo do meu cobertor. Eu podia ver o contorno, e podia sentir sua presença, mas eu não me atrevia a olhar. O peso da coisa fazendo pressão em cima de mim, uma sensação que eu nunca vou esquecer. Quando eu digo que horas passaram, eu não estou exagerando. Deitado lá, sem emoção, no escuro, eu era nada mais que um garotinho assustado.

Se isso tivesse ocorrido no verão, já teria luz por essas horas, mas o inverno era longo e inflexível, e eu sabia que ainda faltava muito para o nascer do sol, um raiar que eu desejava muito. Eu era uma criança tímida por natureza, mas eu cheguei a um ponto em que eu não podia mais esperar, onde eu não podia mais viver sob essa abominação intima.

O medo as vezes pode as vezes desgastá-lo, fazer de você um farrapo, uma concha de nervos deixando apenas pequenos traços de você para trás. Eu tinha que sair da cama! Então eu lembrei, o crucifixo! Minha mão ainda estava de baixo do travesseiro, mas não havia nada lá! Eu movi meu pulso para procura-lo, tentando fazer o mínimo de vibrações na cama ou sons, mas eu não achei. Eu podia tê-lo jogado para o chão enquanto dormindo ou então... eu mal conseguia pensar nessa possibilidade, tinha sido tirado da minha mão.

Sem o crucifixo eu tinha perdido todas as minhas esperanças. Mesmo sendo novinho, você pode ter uma ideia do que é a morte, e ter um medo bem forte dela. Eu sabia que iria morrer naquela cama caso eu ficasse lá deitado, dormente, passivo, fazendo nada. Eu tinha que sair daquele quarto, mas como? Eu devia pular da cama e tentar a sorte de chegar até a porta? E se a coisa fosse mais rápida que eu? Ou eu devia sair de fininho da cama, tentando não incomodar o visitante?

 Percebendo que ele não tinha se movido enquanto eu tinha me mexido para encontrar o crucifixo, eu comecei a ter estranhos pensamentos.

E se estivesse adormecido?

Não tinha feito muito a não ser respirar desde que eu tinha acordado. Talvez estivesse descansado, achando que finalmente tinha me pego. Que me tinha finalmente em suas garras. Ou talvez estivesse brincando comigo, o que estivera fazendo por várias noites seguidas, e agora na cama de cima comigo, sem minha mãe para me proteger, talvez estivesse esperando um pouco, saboreando a vitória até o último momento possível. Como um animal selvagem brincando com sua presa.

Tentei respirar o mais leve possível, e juntando toda a coragem que eu tinha, com minha mão direita comecei a tirar a coberta de cima de mim lentamente. O que eu encontrei lá de baixo quase parou meu coração. Eu não conseguia ver, mas enquanto minha mão movia a coberta,  raspou em alguma coisa lisa e gelada. Alguma coisa inconfundível como uma mão magra.

Eu segurei minha respiração em terror pois eu achava que agora a coisa sabia que eu estava acordado.
Nada.

A coisa não se agitou, ela parecia morta. Depois de alguns minutos eu coloquei minha mão lentamente de baixo do cobertos e senti um braço magro e mal deformado, meu senso de curiosidade todo errado e confiante crescia enquanto eu colocava minha mão mais para baixo e sentia um bíceps grande desproporcional. O braço estava esticado e apoiado pelo meu peito, com a mão apoiada no meu obro esquerdo como se tivesse me agarrado enquanto dormia. Eu então me dei conta que eu teria que mover o ser cadavérico se eu tinha ainda alguma esperança de escapar dele.

Por alguma razão, a sensação das roupas rasgadas irregularmente em meu ombro fizeram que eu não o movesse. O medo mais uma vez cresceu em minhas entranhas e no meu peito enquanto eu recolhia minha mão em nojo de ter tocado o cabelo oleoso dele.
Eu não podia, eu não queria tocar o rosto daquela monstruosidade, mas até hoje eu ainda fico imaginando como teria sido.

Pelo amor de Deus, ele tinha se mexido.

Ele se mexeu. Foi súbito, mas o aperto em meu ombro e pelo meu peito ficou mais forte. Nenhuma lágrima saiu, mas Deus sabe como eu queria chorar. Enquanto sua mão se enrolava lentamente em minha volta, minha perna raspou pela fria parede onde o beliche ficava encostado. De tudo que já havia me acontecido naquele quarto, aquela era a mais esquisita.  Eu percebi que, essa coisa rançosa que estava me agarrando e sentia prazer em violar a cama de um garotinho, não estava inteiramente em cima de mim. Ele estava saindo de dentro da parede, como uma enorme aranha saindo de sua toca.

De repente, seu aperto passou de uma leve pressão para um aperto súbito ,ele agarrou e puxou minhas roupas como se estivesse com medo que a oportunidade passasse logo. Eu lutei contra, mas seu braço magro era muito mais forte que eu. Sua cabeça se levantou se contorcendo por de baixo das cobertas. Eu me dei conta no momento que ele estava falando comigo, na parede! Eu lutei pela minha vida, eu gritei, chorei, mas ninguém veio para me salvar.

Ele estava com ânsia de me pegar agora porque ele me precisava naquele momento. Pela janela, a janela que parecia muito mais maliciosa de fora, surgiu uma esperança; os primeiros raios de sol. Eu lutei com mais força, sabendo que se eu pudesse aguentar mais alguns minutos, logo ele iria embora. Enquanto eu brigava por minha vida, o maldito parasita se mudou, se arrastando para meu peito, sua cabeça agora saindo de debaixo do cobertor, chiando, tossindo, rouco. Eu não consigo me lembrar de suas feições, apenas me lembro de sua respiração nojenta e fria como o gelo contra minha face.

No momento em que o sol apareceu no horizonte, aquele lugar escuro, aquele quarto sufocante foi banhado em luz do sol.

Eu desmaiei quando seus dedos magricelos rodearam meu pescoço, espremendo toda minha vida para fora de mim.

Eu acordei com meu pai me chamando para o café da manhã, um sinal maravilhoso, sem dúvida! Eu tinha sobrevivido a pior experiência da minha vida! Eu arrastei o beliche com ajuda de meu pai (dando alguma desculpa que não me lembro) para longe da parede, deixando para trás os móveis que eu achava que iam parar a coisa de se abrigar na cama debaixo. Mal eu sabia que a coisa ia tentar pegar a MINHA cama, e pior ainda, me pegar.

Semanas se passaram sem mais nenhum incidente, a não ser em uma noite fria em que eu acordei com o som da mobília onde o beliche antes estava, vibrando violentamente. Um momento passou, e eu fiquei deitado lá com a certeza que eu podia ouvir um chiado distante muito familiar vindo de dentro da parede, finalmente desaparecendo lentamente.

Eu nunca contei essa história para ninguém antes. Até hoje eu acordo desesperado e suando frio quando eu ouço os lençóis se mexendo de noite, ou com algum chiado estranho, e eu certamente nunca mais dormi com nenhuma de minhas camas encostada nas paredes. Pode chamar de superstição se você quiser mas como eu disse, eu não posso dar explicações racionais como paralisia no sono, alucinações, ou que minha imaginação era além do esperado, mas eu posso dizer isso: No ano seguinte eu ganhei um quarto maior no outro lado da casa e meus pais começaram a usar aquele quarto estranhamente sufocante e alongado que antes era meu. Eles falaram que não precisavam de um quarto grande, apenas um grande o suficiente para uma cama de casal e algumas coisinhas a mais.

Eles ficaram dez dias naquele quarto. No décimo primeiro nós nos mudamos. 

(HORA DE DORMIR II EM BREVE....)

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