quarta-feira, 5 de junho de 2013

Na Colina (Parte 1)

Os acontecimentos dos últimos dias têm tanto abalado minha compreensão do mundo, quanto me deixado sem disposição e perplexo. No entanto, eu sinto que tenho que organizar esses eventos na minha mente, e sou obrigado a estruturar as terríveis coisas que eu vi para que assim eu as entenda melhor, para que minha mente tenha talvez um descanso - uma necessidade de enumerar tudo que aconteceu.

Foi totalmente por acaso que conheci John R---. Era primavera, e os primeiros açafrões estavam saindo bem contra os últimos resquícios de gelo que o inverno havia produzido. Eu estava em pesquisa para um artigo que estava escrevendo para uma publicação que era, digamos assim, mais do que respeitável, quando me vi à mercê durante a noite em uma pequena aldeia das montanhas.

Todo o calvário tinha sido frustrante e no mínimo cansativo. Supostamente, eu deveria estar de volta a Glasgow naquela mesma noite para digitar minhas anotações e espantar a neblina que vinha acompanhando minhas tentativas de escrita. Estar, em uma pequena vila com apenas uma rua e um pub (que também era uma pousada), o qual parecia não ter sido redecorado desde a idade das trevas, não era minha ideia de conforto caseiro; especialmente depois de algumas semanas de viagem constante, entrevistas intermináveis, e mais de uma noite sem descanso em uma cama suja ou café da manhã.

Havia acontecido um pequeno afundamento na estrada de uma cidade sobre a qual tinha feito impossível que o ônibus continuasse viajando e, mais importante para mim, me levar à segurança. Após vários telefonemas tentando outros meios de continuar a viajar, pareceu que eu não ia a nenhum lugar até de manhã cedo. O sonolento pub/pousada tinha sido carinhosamente intitulado de O lorde de Dungorth - parecendo que poderia desabar em cima de mim a qualquer momento, para finalizar ela cheia de vigas de madeira deformada e uma clientela que pareciam tão quebradiças quanto - teria de ser minha casa durante a noite.

Depois de falar com o dono, um homem alto pontiagudo na casa dos cinquenta, fui gentilmente cedido um pequeno quarto no andar de cima que claramente não tinha sido usado em - ou limpo - fazia um bom tempo. Mesmo assim, as pessoas eram até legais e depois de um jantar básico mas agradável de comida local, eu me sentei confortavelmente em uma poltrona antiga que ficava perto do bar, tomando a decisão de matar o tédio com alguns litros da cerveja local e uma garrafa de vinho. As chamas dançavam logo a minha frente e quando o efeito entorpecente do álcool começou a fazer efeito, eu estava até contente - quase feliz de estar em um ambiente tão rústico. A vila poderia até ser meio triste, mas contra os ventos frios lá fora e um céu escurecendo, a pousada podia ser considerada charmosa.

Eu não tenho certeza o quanto de tempo eu estava sentado ali, hipnotizado pelo calor da lareira e algumas taças de vinho tinto, mas tornou-se evidente que eu estava acompanhado de outro hóspede da pousada. Ele se sentou perto de mim em uma poltrona larga e desgasta do outro lado da lareira, e ficou lá olhando para as chamas tremeluzentes.

Ele parecia curiosamente em disposição. Exteriormente ele parecia ser relativamente jovem - provavelmente em seus trinta e poucos anos - mas sua persona era inundada de uma fragilidade que normalmente não se esperava ver em um homem de sua idade. Seu rosto brilhava à luz do fogo, carregando com ela uma preocupação e linhas quem traíram uma agitação interna; seus olhos desfocados e suas mãos tremendo lentamente enquanto as aquecia no calor da lareira.

'Posso te ajudar?' Eu ouvi as palavras, mas não as registrei até que elas fosses repetidas.

'Desculpe-me, posso te ajudar?' O homem se dirigiu a mim de forma afiada, e fiquei surpreso ao perceber que estava olhando para ele por alguns minutos.

'Não, não é isso,' Eu respondi me desculpando. 'Eu... eu achei ter te reconhecido.'

Quando ele se virou para mim ele mostrou em sua expressão um olhar de descrença na minha mentira óbvia, mas felizmente, não sem um pequeno vestígio de bom humor.

'Desculpa se fui um pouco grosso com você,' ele disse. 'É só que eu estou cansado das pessoas ficarem me encarando por aqui.' Ele ergueu sua voz tentando fazer com que ela chegasse aos ouvidos dos gatos pingados que bebiam pub. Senti que os presentes tentavam evitar o seu olhar.

Partimos então para uma hora de conversa fiada. Seu nome era John R---- e ele era um agente de aquisição de terras de Londres. Ele alegou estar avaliando um lugar próximo, que um fazendeiro local estava disposto a vender para os promotores imobiliários, mas imediatamente senti que ele não estava à vontade para falar de seu trabalho. Na verdade, ele rapidamente mudou o foco da conversa inteiramente para mim; meu trabalho, vida, família, qualquer coisa. Era como se ele precisasse continuar falando comigo para manter a mente dele distraída para esconder sua ansiedade. Toda vez que eu tentava perguntar algo sobre ele ou sua vida, ele me dava uma resposta de uma ou duas palavras, ou ignorava e fazia sua própria pergunta.

Finalmente a conversa tomou seu curso, e por um momento nó sentamos em silêncio; os únicos sons vindos de alguns locais que passavam pelo pub e o tintilar ocasional de copos vazios enquanto sendo lavados pelo proprietário.

O pub agora estava visivelmente mais escuro, com a pouca luz fornecido por algumas pequenas lâmpadas de teto e o fogo que continuou a crepitar e tremular a noite toda. Me virei em direção a uma janela que dava pra fora da pousada, sem ver nada além de escuridão. Em seguida, as palavras simplesmente saíram da minha boca, sem eu perceber ou ter tempo de impedi-las. "Por que as pessoas te observam, John?"

Houve uma longa pausa enquanto eu olhava para ele esperando por uma resposta, seus olhos fixos no chão, mas seu rosto estampado com preocupação. Eu não esperava uma resposta profunda, dado o jeito da nossa conversa anterior, então continuei a tomar meu vinho quando de repente ele respondeu eu um tom sombrio: "Todos eles sabem, mas não tem coragem de falar a respeito." Se virando em direção ao poucos bebedores ainda no pub ele gritou "Eles todos estão com medo!".

A resposta do proprietário e seus consumidores foi apenas o silêncio. Eles pareciam ignorar inteiramente a acusação de John, com apenas uma breve hesitação de movimento ou conversa provava que eles realmente tinham ouvido a explosão momentânea. Eu não esperava uma resposta tão volátil, mas havia desespero naquele grito; ódio e frustração. Então, olhando diretamente para mim de um jeito que só posso descrever como uma mistura de medo e desilusão, ele abriu a boca como se fosse falar de novo, antes de hesitar mais uma vez. Eu senti que o homem, no fundo, queria livrar-se de um fardo, como se um pedaço tóxico de informação estava chateado sua alma.

Como escritor, minha criatividade foi cativada pela possibilidade de um conto fascinante, talvez uma que eu pudesse usar como base em um artigo ou história futura. Prevendo que agora só precisava de um empurrão para ganhar sua confiança, me inclinei e sussurrei "O que houve?" cheio de sentimento conflitante. Eu estava sentindo que estava perto de tornar-me a par de alguma coisa importante, mas pela sua tremedeira e seu comportamento ansioso, eu temia o que aquilo podia ser.

Um instante passou, e era como se todo o salão tivesse caído sob a sombra de um silêncio evidente, aqueles por perto ouvindo de seus cantos tenebrosos e não convidativos. Então ele falou "Se você quiser ser gentil e compartilhar seu vinho comigo, eu ficaria feliz em lhe dizer", disse ele em voz baixa.

Ele não precisou dizer duas vezes. Me levantei da minha cadeira e pedi no bar uma segunda garrafa e mais uma taça para dividir com meu companheiro. Houve uma hesitação peculiar quando o proprietário pegava ambos na prateleira logo atrás, colocando-os em minha frente. Quando voltei ao meu lugar, eu sabia que os presentes estavam me observando. Senti em meus ossos que havia algo desconfortavelmente sufocante nos olhares; olhares acusatórios mergulhados em medo.

Eu enchi uma taça de vinho, do qual John bebeu em um gole só - uma visão que eu conhecia muito bem, como de um homem que naufragado em um tumor maligno que queima por dentro. Depois de encher mais uma vez, coloquei a garrafa no chão entre nós esperando ele contar sua história.

 Depois de olhar a bebida por um momento, ele levantou a cabeça e olhando fixamente para mim, e em seguida como se exorcizasse um fardo de sua alma, ele começou. 

(CONTINUA....)

Nenhum comentário:

Postar um comentário